Os riscos de problemas para o empreendedor e para o investidor aumentam quando a diluição do capital da empresa é muito grande em uma única rodada. No mercado, a média é ceder de 15% a 30% do negócio em troca de aporte
Vida de empreendedor não é fácil. Ela começa com uma boa ideia e logo surgem os desafios. A execução esbarra em burocracias, no tempo de desenvolvimento do produto, nas dúvidas em relação ao modelo de negócios. Isso sem falar nos prejuízos consecutivos, nos questionamentos de familiares e amigos, na dificuldade de encontrar os primeiros clientes ou de achar os fornecedores ideais.
O empreendedor passa suas horas resolvendo problemas, desafia um leão por dia e muitas vezes não ganha salário no final do mês. Ele é o primeiro a entrar na empresa e o último a sair. Mas, lá no final do túnel, ele sempre enxerga uma luz. A esperança de ver aquela ideia resolver problemas do mundo e fazer com que, potencialmente um dia, ela valha muito dinheiro, é o que o motiva a continuar.
Muitas startups percebem, em algum momento, que precisam de dinheiro para acelerar seu crescimento. Como os recursos nem sempre estão disponíveis via empréstimo bancário (pelo risco ser muito alto), elas contam com fundos de venture capital e investidores-anjo para realizar aportes. Nesse caso, o investimento é feito em forma de equity. Ou seja, o investidor fica com uma fatia da empresa, com a expectativa de que nos anos seguintes o desenvolvimento do negócio traga retorno financeiro.
Abrir mão de uma parte da empresa para investidores, na visão do empreendedor, é como a lógica do bolo. Pode ser que valha mais a pena ter uma fatia de um bolo de três andares do que ficar com um cupcake inteiro. O problema é que a equação não é tão simples assim. Se ceder demais a participação, o empreendedor pode perder justamente a motivação inicial: cuidar do seu negócio. Afinal, quanto dá para vender de participação em uma empresa, por mais experientes que sejam os investidores ou por maior que seja o valor envolvido?
Quando faz sentido ter investidores
A decisão de abrir mão de uma parte de empresa em troca de capital só faz sentido se aquele capital fizer o ritmo de crescimento da empresa tornar-se mais rápido do que sem o capital. A pergunta que o empreendedor deve se fazer é: quanto eu consigo crescer sem capital e qual será meu crescimento com capital? A diferença entre a primeira e a segunda curva precisa ser muito grande para justificar o investimento. Dar participação na sua empresa custa caro.
Assumindo que ela seja um sucesso e gere valor, a participação adquirida hoje pelo investidor vai valer muito mais no futuro. Os resultados serão divididos proporcionalmente. Em tese, isso acaba saindo muito mais caro do que pegar financiamento, até mesmo no Brasil, onde os juros são altos. Além disso, a partir do momento em que o empreendedor levanta capital de terceiros, ele assume a responsabilidade de precisar ganhar dinheiro para seus investidores.
Muito provavelmente, já não é mais uma opção continuar a tocar o negócio para sempre, sem se preocupar com liquidez. Por isso, empreendedores experientes não “comemoram” quando levantam capital – na verdade, a preocupação deles só aumenta, pois além de terem de cuidar de clientes, colaboradores e fornecedores, têm também que se preocupar com os investidores. Por outro lado, a vantagem de captar investimentos de anjos ou de fundos é que o capital é geralmente disponibilizado de forma mais rápida.
O equity muitas vezes está disponível quando o crédito não está. Não é à toa que o chamam de “capital de risco”. Além disso, mais do que o capital, esse tipo de investimento pode trazer sócios para sua empresa que têm conhecimento do mercado. Em um mundo ideal, eles entendem o que você faz, os desafios que você tem e, teoricamente, ajudam a superar problemas.
Quanto ceder?
Na minha experiência, a participação cedida para o investidor varia entre 15% e 30% em cada rodada, desde o seed (estágio incial) até o Series A, B, C em diante. Em geral, o padrão de mercado é 20%. Se você tem empresa muito “quente”, que está gerando bastante interesse de vários fundos de investimento, pode chegar aos 15%, ou em casos raros, em 10%. Do contrário, se os investidores não estiverem tão animados, chega-se aos 30% para compensar os riscos apontados por eles. Normalmente, cerca de 20% é um valor justo.
Partindo desse princípio de diluição, o engraçado é que o valuation acaba sendo muito mais uma função de quanto você quer levantar. Por exemplo, se você quer levantar R$ 1 milhão para sua empresa e precisar ceder 20% de participação para o investidor, seu valuation será de R$ 5 milhões post-money, ou seja, após a entrada do recurso. O valuation pre-money (antes da entrada do capital) seria de R$ 4 milhões. Agora, caso levante apenas R$ 500 mil, o valuation com os mesmos 20% de diluição seria de R$2,5 milhões.
É muito importante entender como esse jogo funciona. Vejo muitos empreendedores pedindo “deals” que, na minha concepção, não existem. Exemplo: R$ 1 milhão por 5% — isso é, na maioria das vezes, um deal fora da curva. Mais do que isso, demonstra um certo “amadorismo” do empreendedor. Ao mesmo tempo, um investidor oferecer R$ 500 mil por 51% de um negócio que está começando também é uma proposta que, na minha humilde opinião, está fora de cogitação e, mais do que ser fora de padrão, não vai funcionar a longo prazo.
Como empreendedor e investidor, já vi muitas empresas se confrontarem com esse tipo de proposta. Algumas até aceitaram o negócio. Sem exceção, em todas as situações em que a diluição foi muito grande na rodada de investimento inicial, com termos fora da média de mercado, o que eu observei foi que o empreendedor, o investidor e a empresa tiveram problemas.
Em primeiro lugar, a diluição excessiva desde o início afeta a motivação do empreendedor no longo prazo. Além disso, quando uma empresa levanta capital é muito improvável ela nunca mais ter nenhuma rodada de investimento – normalmente a empresa que precisa de capital para crescer no começo vai continuar se beneficiando de rodadas posteriores. Com uma diluição inicial de 51%, como vai haver espaço para mais um investidor? Como será possível acomodar funcionários em um “option pool”? A resposta é que não é possível, e isso diminui consideravelmente a chance de o empreendedor ter sucesso — e de o investidor ter um retorno em cima do seu capital.
Quanto dinheiro levantar?
Vamos supor uma situação: o empreendedor que levantar R$ 20 milhões. Ótimo, mas como ele vai gastar esse dinheiro? Ele tem estrutura para gastar todo esse capital? Supondo que esse capital equivale a uma participação de 20%, a empresa passará a valer R$ 100 milhões. O negócio consegue sustentar esse valuation? O empreendedor está confortável em aceitar esse valuation, considerando que terá que entregar como retorno pelo menos algumas vezes esse valor daqui a 5 anos para os investidores?
Portanto, os empreendedores precisam saber de quanto dinheiro precisam e onde vão usá-lo. Há momentos em que não é necessário levantar dinheiro. Vale lembrar: faz parte da vida de uma startup se virar com pouco. Pegar um cheque pequeno em troca de 20% de participação na empresa nem sempre compensa. O dinheiro, em geral, é caro. Dinheiro todo mundo quer, mas você realmente precisa? Sabe o quão caro isso é no longo prazo? E que você terá uma pressão muito maior para gerar retorno para o seu investidor do que se a empresa for só sua?
O empreendedor na mesa de negociação
Pela minha experiência, o empreendedor hoje ainda tem mais poder de negociação em mercados desenvolvidos, como ons Estados Unidos, onde há milhares de anjos perseguindo negócios. A concorrência faz com que a exigência de equity caia. Como no Brasil esse mercado ainda está se desenvolvendo, há pouco capital e pouca concorrência. Vejo muitos empreendedores aceitarem deals duvidosos porque não têm outra alternativa, mas às vezes é melhor continuar no bootstrap, aquela situação em que a empresa vive do investimento próprio ou da receita gerada. É mais provável que o negócio decole assim do que por meio de uma diluição problemática.
A diluição, aliás, não é o único problema. Há termos impostos aqui no Brasil que também jogam contra o empreendedor. Preferência de liquidação, por exemplo, que estabelece quem ganha dinheiro primeiro (e quanto) no caso da venda da empresa. Suponha que o investidor tem 50% da empresa. Se ela é vendida por R$ 10 milhões, o dinheiro deveria ser dividido igualmente. Mas a preferência de liquidação pode exigir que o investidor ganhe 20 vezes seu investimento para depois dividir o restante.
Se o investimento foi de R$ 200 mil, o investidor receberá R$ 4 milhões e depois dividirá os outros R$ 6 milhões igualmente, fazendo com que seu retorno seja de R$ 8 milhões. Ou seja, o empreendedor fica com R$ 2 milhões, ou 20% do total. Bem diferente dos 50% que pensava deter da empresa. Vale a pena se informar em sites especializados sobre os termos mais comuns, e trocar ideias com outros empreendedores que já passaram por algo parecido para não correr o risco de fazer algo errado.
No final das contas, o ideal é que o risco seja compartilhado igualmente entre empreendedores e investidores. Vejo muitos anjos tentando se resguardar porque não confiam no empreendedor ou porque querem criar uma proteção ao investimento de risco. Mas, na minha experiência, não há proteção: investimento em startup é 0 ou 100. Ou o empreendedor tem sucesso e o investidor ganha junto, ou não dá certo — e o fracasso faz parte do jogo.
Fonte: Endeavor Brasil